quarta-feira, 27 de abril de 2011

Comissão da Verdade desafia Forças Armadas e avança no Congresso.




Apesar das críticas internas e duras das Forças Armadas, a criação da Comissão Nacional da Verdade já dá seus primeiros passos no Congresso. Contrariando as expectativas, os ministros Nelson Jobim (Defesa) e Maria do Rosário (Direitos Humanos), vistos inicialmente como extremos opostos dessa polêmica, estão atuando juntos.

A Comissão deve ser criada ainda neste ano, com base num projeto de lei enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional em 2010. O governo Dilma já está escolhendo parlamentares para atuarem na intermediação desse debate na Câmara.

Uma das indicadas é Luiza Erundina (PSB-SP), nome sugerido por Maria do Rosário. A deputada disse que ainda não foi oficialmente procurada, mas já solicitou a seu partido que seja indicada para integrar a comissão.

Neste ano, Erundina já apresentou projeto que altera o entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a punição para agentes públicos que torturaram na ditadura. Na opinião da parlamentar, a decisão do STF não encerrou o assunto, uma vez que o crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça e anistia.

“É uma vergonha para o Brasil ser o único país da América a não punir esses torturadores. O país precisa sair dessa situação constrangedora e limpar esse passado. Estamos no atraso”, declarou Erundina, que quer esse projeto discutido na Comissão da Verdade.

O deputado Osmar Terra (PMDB-RS), amigo de Jobim, disse que ele mesmo teve a iniciativa de procurar o ministro e se apresentar para colaborar. Sua posição é mais alinhada ao STF.

“Eu me dispus a ajudar e até a integrar a comissão — mas sem revanchismo, sem revisão da anistia. É preciso, sim, esclarecer o que ocorreu, as circunstâncias, onde, e, se possível, permitir às mães dos desaparecidos o direito de enterrarem seus filhos.”

O governo brasileiro ainda tenta mudar a questão do acesso a informações. Um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados visa acabar com o sigilo eterno de documentos e também veda o sigilo de documentos que possam tratar de violação a direitos humanos. O país também financia o resgate da memória da sociedade civil.

Se o Brasil deseja avançar na investigação e punição de crimes e no acesso à memória da ditadura militar, é preciso também que a causa tenha maior participação da sociedade. “O sucesso ou fracasso das políticas do governo dependerá fortemente da adesão social a esta pauta”, reconhece um membro do governo, que também aponta que, em países como Argentina e Chile, até agora, houve muito mais participação que no Brasil.

Forças Armadas

Já as Forças Armadas se mostram irritadas com a decisão da presidente Dilma Rousseff de bancar como prioridade a criação da Comissão Nacional da Verdade. O Exército, principal responsável pelas atrocidades que tomaram conta do Brasil entre 1964 e 1985, é o mais interessado na inviabilização do projeto.

Em documento elaborado pelo Comando do Exército e enviado no mês passado a Nelson Jobim, os militares afirmam que a instalação da comissão "provocará tensões e sérias desavenças ao trazer fatos superados à nova discussão". Segundo a versão do Exército — que tem apoio da Aeronáutica e da Marinha —, a Comissão vai abrir uma "ferida na amálgama nacional" e "promover retaliações políticas".

A intenção das Forças Armadas é clara: sustentar que a redemocratização do Brasil foi suficiente para superar fatos históricos. "O argumento da reconstrução da História parece tão somente pretender abrir ferida na amálgama nacional, o que não trará benefício, ou, pelo contrário, poderá provocar tensões e sérias desavenças ao trazer fatos superados à nova discussão", choramingam os militares.

"Passaram-se quase 30 anos do fim do governo chamado militar e muitas pessoas que viveram aquele período já faleceram: testemunhas, documentos e provas praticamente perderam-se no tempo. É improvável chegar-se realmente à verdade dos fatos", agregam.

Exceção no Cone Sul

A manobra das Forças Armadas visa a manter o Brasil na contramão dos países do Cone Sul. Brasileiros que foram torturadores, assassinos e sequestradores durante a ditadura militar são, hoje, os privilegiados entre seus pares do continente. Os últimos anos têm servido para argentinos, chilenos e uruguaios levarem dezenas de responsáveis por crimes de lesa-humanidade à cadeia.

Nos três países, a Justiça passou a considerar que esses delitos são imprescritíveis, tendo como base tratados internacionais — o que é um alento para o Brasil. Condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em dezembro do ano passado, devido ao assassinato e desaparecimento de 62 pessoas entre 1972 e 1979, o país irá, mais cedo ou mais tarde, investigar e punir os responsáveis pelos crimes cometidos durante o regime militar.

Por ora, o atraso gritante do Brasil em relação a Argentina, Chile e Uruguai não só nos põe em uma posição de descrédito. A falta de acesso aos arquivos da ditadura brasileira faz também com que sejamos o país do Cone Sul que atravanca as investigações sobre a Operação Condor, colaboração militar entre diversos países sul-americanos, com apoio dos Estados Unidos, para reprimir militantes de esquerda.

“É uma peça que falta para compreender a Operação Condor. Nunca entendemos porque, com governos progressistas, no Brasil se resiste a abrir os arquivos”, diz a jornalista e ativista chilena Mónica González, diretora do Centro de Investigación Periodistica (CIPER).

No Chile, que viveu sob a ditadura de Augusto Pinochet de 1973 a 1990, Neste ano, uma comissão de justiça e verdade chegou à conclusão de que havia mais de 3 mil vítimas de crimes no período. Vítima e parentes das vítimas receberam pensões. Até 2004, contudo, apenas crimes cometidos entre 1979 e 1990 tiveram condenações.

Para os crimes ocorridos entre 1973 e 1979, período mais duro da ditadura, continuava prevalecendo a lei de anistia. “Muitos juízes seguiam sendo pinochetistas, e seguiam mantendo a mesma posição que antes. Continuavam aplicando a anistia sem investigar”, conta a jornalista Mónica González.

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